BETH NEVES | MILAGROS

IMG_5947.jpg

BETH NEVES

MILAGROS

 
 
profile-photo.jpeg
Beth Neves é uma artista capaz de transformar em poesia as dores do mundo.
— Paula Borghi  
 
 

Trabalhando com arte desde os anos 70, sua obra a acompanha em cumplicidade à sua biografia e em sintonia aos acontecimentos de violência que urgem no mundo. Projetando a beleza da vida em meio a tempos tão distópicos, a exposição individual de Beth Neves intitulada “Milagros” apresenta uma série de pinturas que reivindicam o direito à infância, em que crianças possam fantasiar e sonhar sem medo de serem livres e felizes.

Expondo mais de 30 trabalhos realizados de 2019 a 2021, estes partem de fotografias de álbuns de família ou de crianças anônimas encontradas na internet. São pinturas feitas com pinceladas delicadas de tinta óleo, combinadas com desenhos em grafite sobre colagens de papéis estampados, que então são imersas na fragilidade da cera; resultando em visualidades compostas por camada nebulosas, misteriosas e oníricas.


 
 

“Les Petits”

A série “Les petits” apresenta 22 pinturas em pequeno formato que retratam crianças não identificáveis brincando, jogando, usando o celular, lendo um livro e assim por diante. São trabalhos que cabem na palma da mão, a fim de enfatizar a facilidade com que as crianças podem ser manipuladas, abusadas. Concomitantemente, a materialidade destes trabalhos solicita (urgência de)cuidado e atenção, tal como as crianças que habitam suas imagens.

 
 


As demais pinturas - “Les princesses”, “Les deux princesses ”, “La reine”, “Les princesses et la reine”, “La Règne” e “Milagritos” - exigem tanto cuidado quanto, mas que diferentemente de “Les petis” combinam imagens da própria artista e de sua irmã quando crianças, bem como de sua mãe na mesma ocasião. São trabalhos que revisitam a história das mulheres da família Neves, contata pela perspectiva de sua filha mais velha, Beth. 

Não à toa, os títulos dos trabalhos fazem menção a simbologia dos contos de fadas, a fim de despertar ainda mais a construção do ideário de “família feliz” e de “viverão felizes para sempre”. Por exemplo, a palavra rainha na língua francesa (reine) é muito mais convincente do que na portuguesa, assim como a palavra milagre no diminutivo da língua espanhola (milagrito). Isto porque a carga subjetiva das palavras ditas nestes idiomas acentuam a noção poética que as mesmas evocam, potencializando o caráter mágico tanto na linguagem oral, como na linguagem visual. 

A respeito da visualidade das pinturas, pode-se dizer que as representações de Beth quando criança fantasiada, de sua mãe vestida de noiva e do fantasma da imagem de seu pai são alguns dos elementos chave da exposição.


O duplo sentido que a fantasia suscita, tanto erótico como lúdico, é um dado que se repete em algumas pinturas, intensificando a dubiedade que se pode alcançar por meio da arte. O que pode ser uma brincadeira imaginativa que permite a construção de personagens, como de uma palhaça ou de uma faxineira, pode também ser um jogo cruel e violento, dependendo de como for.

O mesmo vale para a figura da mãe vestida de noiva, que também pode ser lida como uma fantasia do ideário de mulher. Entretanto, faz-se notar a ausência da figura paterna ou de sua presença fantasmagórica, sugerida apenas em uma das pinturas. O que temos é uma caricatura da família heteronormativa, marcada por pais alheios a seus filhos, quando não violentos.


Ainda assim, estas imagens buscam desesperadamente dias melhores. E é ai que a mágica de Beth Neves acontece, pois ela faz com que tudo o que se vê nesta exposição seja bonito, alegre, leve, suave, doce e gostoso, embora denso. Ela nos convida a evocarmos um milagre de um mundo mais justo, com rainhas amorosas que cuidam de suas princesas e dos "pequenos"; que não deixam que nada aconteça de mal com todos eles. Um reino matriarcal em que todas as crianças têm o direito de sonhar e ser feliz. Então, artista e mundo se unem em uma só perspectiva.

É por meio desta potência psciomágica própria das artes, que “Milagros” é uma exposição de arte contemporânea que “cura” a alma das crianças e das mulheres, protegendo-as dos monstros que se disfarçam de “pessoas de bem”. Pois, todas estas pinturas são frutos de um exercício de "cura" realizado por uma artista que reconhece o milagre da vida. 

Milagritos #5 | Colagem, tinta óleo, crayon e cera sobre papel | 25x25cm

 

Por fim, “Milagros”, que também nomeia o último trabalho realizado para a exposição, não fala de contos de fadas, tampouco de histórias com finais felizes, mas sim da vida como ela é, com suas histórias assombrosas e belas. E sobretudo, de histórias em que princesas não são salvas por príncipes encantados e sim por elas mesmas.

 

Paula Borghi  

Paula Borghi (São Paulo, 1986) mestranda em Artes Visuais na linha de pesquisa de História e Crítica de Arte pelo PPGAV/UFRJ. Foi curadora adjunta da 11# Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2018), curadora convidada do Centro Cultural Hellerau no Projeto Brasil (Dresden, Alemanha, 2016), assistente curatorial de Ibis Habascal na 12# Bienal de La Havana (Cuba, 2015) e curadora da Residência Artística do Red Bull Station (São Paulo, 20013-2015). Foi co-idealizadora do espaço independente Saracura (Rio de Janeiro, 2016-2018) e idealizadora da biblioteca itinerante de publicações de artistas latinos Projecto MULTIPLO (2011-2017), premiado pelo Rumos Itaú Cultural em 2015-2016. Nos anos de 2015 e 2016 trabalhou com o Instituto Goethe no projeto Jogos do Sul, que teve como objeto de pesquisa os I Jogos Mundiais Indígenas, Palmas. Ao longo de sua trajetória vem atuando com processos curatorias voltados a residências artísticas e exercícios de práticas democráticas.


Para agendar sua visita ou conhecer mais obras disponíveis da artista, entre em contato: